O Estopim da Guarujá Moderna
Os sambaquis, índios que habitavam a região que hoje
conhecemos como sendo Guarujá, provavelmente nem
imaginavam que esse lugar seria, no futuro, um grande
balneário de elite, com um cenário estonteante e capaz
de atrair os mais poderosos empreendedores. Gente
de grande visão, como o paulistano Elias Fausto
Pacheco Jordão. Esse homem simplesmente fez com
que a ilha deixasse de ser encarada apenas como uma
prolongação improdutiva de Santos, para tornar-se uma
região com potencial de vida própria. Foi graças ao deslumbrament
o de Elias pelas incríveis paisagens da então deserta ilha
que, no ano de 1893, mais precisamente no dia 4 de setembro, Guarujá
ganhou o status de vila – até então, não passava de um mero povoado.
A fundação da Vila Balneária foi o marco de existência da atual Guarujá.
Afinal, foi graças a esse acontecimento que começaram a pipocar os
primeiros grandes investimentos na região. Foram implantados sítios
de cultivo da cana-de-açúcar, arrozais, engenhos, bananais e muitos
outros elementos que viriam a contribuir para a arrancada de desenvolvimento
da cidade. Curiosamente, porém, todo esse avanço corria mais por conta
de gente do planalto do que de Santos, apesar de Guarujá estar subordinada ao
município vizinho. Só para lembrar, o próprio Elias era paulistano. E quando ele descobriu,
no fim do século XIX, as potencialidades balneárias d
a ilha, sabia que os efeitos paradisíacos deste verdadeiro recanto só poderiam
ser devidamente apreciados pela elite econômica do país, que nessa época já estava
concentrada na capital de São Paulo. E a Vila Balneária trouxe todos os ingredientes
necessários para satisfazer o requintado paladar dessa n
obreza econômica. CIDADE IMPORTADA
Para fundar a Vila Balneária, foi organizado um ousadíssimo plano de urbanização
na região onde hoje é o centro da cidade. Esse plano ousado incluía um hotel de luxo,
cassino e a construção de 46 residências, além de uma ferrovia exclusiva para transportar
os visitantes. Para isso, foram encomendados nos Estados Unidos 46 chalés residenciais
desmontáveis e construídos em Pinho da Geórgia – além de um hotel, um cassino e também
uma igreja. Só para você ter uma idéia da sofisticação, a vila já desfrutava de água encanada,
esgoto e luz elétrica – um luxo para a época.
Enquanto a colossal encomenda não chegava dos EUA, Elias Fausto tratou de
providenciar a construção de uma pequena ferrovia. E para trazer ainda mais
conforto aos turistas, mandou vir também duas amplas barcas, a qu
em deu os nomes de “Cidade de Santos” e “Cidade de São Paulo”. Como suas
funções eram servir à sociedade paulistana, as mesmas partiam do Valongo, em
Santos, e depois de uma viagem de 40 minutos, atracavam numa costeira ao
noroeste da antiga Itapema, sendo finalmente conduzidas por uma
ferrovia numa viagem de 10 minutos até a Vila Balneária.
A partir daí, o crescimento da cidade foi contínuo. Nicola Puglisi sucedeu Elias
Fausto Pacheco Jordão na presidência da Companhia Balneária até 1926,
quando Guarujá foi transformada em Prefeitura Sanitária, sendo nomeado o Sr.
Juventino Malheros seu primeiro prefeito. Depois, em 1934, a cidade viraria
Estância Balneária, e teria sua emancipação decretada em 30 de junho do mesmo ano.
E finalmente, em 1947, Guarujá virou município, tendo seu primeiro governo municipal eleito
para o período de 1948 a 1951.
FIQUE POR DENTRO O nível de chiquê da Vila Balneária não era brincadeira. Eram ruas inteiras de construções importadas.
Até mesmo as cercas eram de madeira com feição estrangeira. As casas tinham partes das estruturas de
madeira aparente e cobertura com telhas tipo Marselha. As paredes eram arrematadas com tábuas horizontais.
Os chalés apareciam como novidade e eram registrados com destaque nos cartões-postais. As melhores famílias – entenda-se: as mais ricas – de Santos e São Paulo eram quem ocupavam a maioria dos
chalés americanos por volta de 1920 e 1930. Elas adquiriram terrenos no loteamento inicial e também em
outros que foram surgindo no centro da cidade – que, aliás, já tinha cinema, zoológico, muitas charretes pelas
praias e dois parques de recreações: o das Pedras (onde hoje está localizado o edifício Sobre as Ondas) e o
das Astúrias. A locomotiva a vapor que fazia o trajeto entre o Itapema e a Vila Balneária – e que era de procedência
americana, para variar – atualmente pode ser vista em exposição no centro de Guarujá. GLAMOUR BALNEÁRIO
A história de Guarujá no início do século – e seus reflexos na Guarujá de hoj
e – é pontilhado de nomes que, não por coincidência, habitaram o cenário
político-econômico de São Paulo por décadas. Matarazzo, Prado, Leomil, Chaves
, Siciliano e outros faziam da ilha uma extensão de suas atividades. O início da
República viu Guarujá como balneário obrigatório para o descanso dos poderosos
do país. Os livros do Grande Hotel La Plage viviam repletos de nomes de presidentes
e ministros. Fotos antigas mostram Washington Luís e Ruy Barbosa passeando pela
tranqüila paisagem de Pitangueiras. Personalidades nacionais e internacionais, das
artes, das ciências, do comércio e da indústria faziam, da ilha, a pausa obrigatória em
suas esplendorosas atividades.
A cidade acostumou-se a conviver com celebridades. O homem que levava Santos Dumont
a passeios de charrete falava dele como um velho amigo. O crupiê do cassino, terminada
a época do jogo, era confidente de governadores e generais.
Mas o glamour da sofisticada vila não se confundia com a realidade. Situada a menos de
100km da maior cidade do país e ainda por cima integrante da Baixada Santista – região
densamente povoada e de múltiplas atividades econômicas, como indústria química e
siderurgia –, Guarujá dificilmente ficaria imune aos efeitos externos. Seria impossível
manter a utópica pureza tropical que alimentou os sonhos de Elias Fausto Pacheco Jordão.
FIQUE POR DENTRO
O Hotel Cassino La Plage era o grande animador de Guarujá. Os figurões que o
freqüentavam gastavam cifras suficientes para transformá-lo numa verdadeira
usina financeira de toda empresa. A decoração do hotel era primorosa. Feito do melhor pinho da Geórgia, tinha 50
quartos e várias salas, como a de refeições, bar, leitura (living e sala de estar),
além de ser cheio de lustres de cristal, vitrôs e dourados, além de estofados de
couro da Rússia e tapetes da Pérsia.
Apesar de ter sido a responsável pela arrancada de desenvolvimento de Guarujá,
a data de 4 de setembro, dia da fundação da Vila Balneária, ainda não faz parte do
calendário de comemorações oficiais da cidade.
Farmacêutico formado, veio de Ribeirão Preto e mora no Guarujá há mais de 58
anos. Criou um grande amor pela cidade, e fez da fotografia o seu hobby: se ele
mesmo não fotografava, tratava de conseguir mais algumas fotos de Guarujá. Hoje
, possui um invejável acervo com centenas de fotos antigas e raras da cidade. Ele
tem, inclusive, as fotos da Galeria Paulo Lima, atualmente em exposição no Pão de
Açúcar do centro.
O senhor vê muitas diferenças entre a Guarujá antiga e a Guarujá moderna?
Sim. Principalmente a falta de evidências do passado. É preciso modernizar, mas
também é preciso conservar. Muito do nosso passado se perdeu.
Mas o senhor está satisfeito com a Guarujá de hoje?
Olha, eu não posso me queixar. A cidade me acolheu muito bem. Apesar da falta
de referências do passado, a cidade continua a crescer, e está ainda muito bela.
DO CHALÉ DE MADEIRA AO ESPIGÃO DE AÇO
Em 1946, o construtor do primeiro prédio de apartamentos da cidade, um engenheiro
alemão, chegou a ser criticado por seus colegas da capital por implantar um espigão
na então região semi-deserta de Pitangueiras. O prédio, que ganhou o mesmo nome
da praia, era muito mais que uma audaciosa edificação. Era o prenúncio das incríveis
transformações socioeconômicas pelas quais a antiga Vila Balneária iria passar.
Menos de 30 anos depois, Guarujá passaria pelo “boom imobiliário”, algo que a
tornou, no final dos anos 70, a terceira cidade do país em investimentos imobiliários
. Sofisticados prédios de luxo foram encravados ao longo das praias, descortinando
um cobiçado mar de esmeralda. Milhares de trabalhadores, atraídos por um
insaciável mercado de mão de obra, migraram para a cidade. Os empregos
fáceis, as moradias baratas e os indícios de oportunidade fizeram-nos atrair
conterrâneos. E o resultado foi que a migração nordestina em Guarujá, na década
de 70, foi a maior verificada em todo o litoral centro-sul do estado. E o distrito
de Vicente de Carvalho passou a ser, na região, o maior pólo de concentração de nordestinos.
Os anos 80 chegaram e o que se viu foi a semi-paralização da construção civil. Espalhados
por favelas em morros e mangues, os trabalhadores passaram a representar não mais
a mão de obra que impulsionava o progresso ou a multiplicação do consumo. Acabaram se
tornando um grande fardo social à administração pública de Guarujá.
Mas o declínio da construção civil não representou necessariamente a estagnação econômica
da cidade. Foram feitos investimentos em vários outros setores. Em 1985, por exemplo,
Guarujá foi classificado como o segundo maior centro de captura e pesca do país. Tornou-se
sede da maior cooperativa de pesca do Brasil, a Nipo Brasileira (maior exportadora nacional
de frutos do mar para o exterior). Além disso, o porto de Santos expandiu-se à margem
esquerda do estuário, sendo instalada na região do Conceiçãozinha, em Vicente de Carvalho,
os maiores terminais de fertilizantes e contêineres da América do Sul. Ao mesmo tempo,
criava-se o CING, Complexo Industrial Naval de Guarujá, que passaria a acomodar estaleiros
e demais empresas ligadas à atividade naval.
FIQUE POR DENTRO
Curiosamente, a orla do município, que inspirou seu processo de sofisticação, tornou-se o
pólo concentrador de miséria. No final da década de 80, registravam-se, na sede, 48 favelas,
contra apenas 15 do distrito de Vicente de Carvalho. Vicente de Carvalho, aliás, tem uma cultura toda particular, devido ao fato de ter sido formada
essencialmente por nordestinos. Acabou se tornando uma cidade dentro de outra, e não
é à toa que se alimenta há décadas, na região, um sentimento emancipacionista. tc "ê Vicente
de Carvalho, aliás, tem uma cultura toda particular, devido ao fato de ter sido formada
essencialmente por nordestinos. Acabou se tornando uma cidade dentro de outra, e
não é à toa que se alimenta há décadas, na região, um sentimento emancipacionista. " O bairro do Pae Cará, em Vicente de Carvalho, tem esse nome em homenagem a um
conhecido pai-de-santo da época em que foi criado. O bairro chegou a ter mais de 80 mil
moradores.
Assim como a duplicação da Imigrantes ajuda no desenvolvimento da cidade atualmente,
a Rodovia Piaçaguera-Guarujá, inaugurada em 1957, também contribuiu muito na expansão
do município. No início dos anos 70, o Governo do Estado construiu a ponte que liga
Guarujá ao continente. Esse fato foi decisivo para o Boom Imobiliário – tanto é que, em 1990
, o grande crescimento da cidade exigiu a duplicação da estrada. E A VILA CONTINUA....
Atualmente, Guarujá está vivendo uma fase excelente. O mercado
imobiliário reconquistou seu prestígio, as praias estão
mais lindas do que nunca e as perspectivas de crescimento e investimentos
são animadoras. A duplicação da Rodovia dos Imigrantes transformou a cidade
numa extensão atraente da capital, fazendo com que muita gente passasse
a morar aqui nos prédios que antes viviam vazios e a continuar trabalhando
em São Paulo. Apesar de o turismo ainda ser a principal fonte de recursos
para o desenvolvimento socioeconômico da cidade, o que se vê é que, mais
do que nunca, Guarujá parece estar finalmente conseguindo conquistar aquilo
pelo qual sempre lutou, desde a época da Vila Balneária: a sua autonomia.
Porque uma cidade que cresce dependendo só do turismo pode crescer
muito mais se tiver vida própria. Felizmente, parece que já estamos no caminho certo.
Dez razões para gostar de Vicente de Carvalho
1 Possui uma cultura toda particular
2 É o segundo maior centro comercial da Baixada Santista
3 Os índices de qualidade de vida melhoram a cada ano
4 É lá que se encontra a Base Aérea de Santos, onde será implantado um
aeroporto em 2005
5 A margem esquerda do porto é ali
6 Obras de reurbanização estão melhorando o sistema viário
7 Possui a maior oferta de empregos da cidade
8 Possui mais habitantes que a sede do município
9 As favelas estão passando por um processo de urbanização
10 Possui um povo alegre e gentil
O relato de quem viu – Tolhia Boscov
Ele viu o boom imobiliário Tolhia Boscov, arquiteto, chegou na cidade em 1970, época do boom
imobiliário no Guarujá. Formado em 1958, trabalhou por dois anos
em São Paulo e então foi para a França. Lá, trabalhou durante seis
meses com o famoso Le Corbusier (veja quadro), arquiteto revolucionário
que deixou um legado para a arquitetura urbanística mundial. Nesta entrevista,
Tolhia fala um pouco do perfil arquitetônico de Guarujá, bem como reforça a idéia
de que não houve a preocupação em preservar a memória da cidade Como era Guarujá antes do boom imobiliário? O que impulsionou esse boom foi a abertura da Rodovia Piaçaguera-Guarujá. Vi
todo o processo que se desencadeou daí. Antes disso, Guarujá tinha alguns
edifícios aqui e ali, mas a base era somente composta de construções térreas.
Se você pegar o bairro da Barra Funda, por exemplo, vai notar que só tinham
casas. Na Enseada também. No Astúrias, tinha o edifício Sobre-as-Ondas e só, o
resto eram casas, também. Houve a preocupação em preservar as construções antigas, nessa época? Infelizmente não. A maioria das coisas foram demolidas, o que é uma judiação.
Até mesmo a antiga estação de trem, que ficava no centro, foi destruída. Então,
parece que não existe memória. Para haver uma boa arquitetura, é preciso haver
uma boa cidadania. Isso é fundamental. Se há cidadania, há crítica.
Cria-se cultura e bom-gosto. A arquitetura guarujaense possui algo das idéias revolucionárias de Le Corbusier? Tem, mas tudo muito misturado a coisas que não possuem uma linha própria, uma
identidade.
Isso, aliás, é algo que ocorre em todo o mundo. Temos um estilo arquitetônico?
Temos, existem ótimos e bons prédios, que são bem-resolvidos. Mas temos
também uma quantidade enorme de construções que foram feitas
“no tapa”, somente porque se vendia qualquer coisa naquela época. A duplicação da Imigrantes, a despoluição das praias e a revigoração
da cidade fez com que muitos a chamassem de “a nova Miami”.
O que você pensa a respeito? Para ser uma nova Miami, Guarujá precisa perder esse estigma
de cidade de temporada e de fim de semana. Já temos todas as
condições de conseguir isso, pois a cidade melhorou muito nestes últimos anos.
Até mesmo os bairros mais populares estão melhor cuidados. E não podemos
nos esquecer do distrito de Vicente de Carvalho, que é o segundo maior comércio
da Baixada e vêm melhorando em qualidade de vida ano após ano.
FIQUE POR DENTRO: Quem foi Le Corbusier?
Charles-Edouard Jeanneret-Gris, conhecido por Le Corbusier, nasceu em La
Chaux-de-Fonds, na Suíça, em 6 de Outubro de 1887. Formado como gravador
de metais pela Escola de Artes Aplicadas da sua terra natal, teve um percurso
profissional e artístico muito particular, viajando pela Itália, França, Budapeste
e Viena, difundindo as suas construções pela Europa e, pontualmente, na Ásia
e América. Precursor do movimento da arquitetura moderna, pioneiro na
aplicação de novas formas e materiais aliados à indústria e produção em
série, Le Corbusier foi um grande arquiteto do século XX, evoluindo a sua
obra numa direção de formas mais expressivas. Morre em 1965, após
uma vida de grande produção prática e teórica, no dia 27 de Agosto, em
Roquebrune, França. Referência Bibliográfica da parte histórica:
" Pérola ao Sol - Apontamento de uma Guarujá moderna ", de Mônica de
Barros Damasceno e Paulo Mota, DEC,1988.
Referência Bibliográfica da parte histórica:
" Pérola ao Sol - Apontamento de uma Guarujá moderna ", de
Mônica de Barros Damasceno e Paulo Mota, DEC,1988.
FONTE: http://www.guiaguaruja.com.br/ O relato de quem viu – Osvaldo Cáfaro
O Guardião da história de Guarujá
Osvaldo Cáfaro, 92 anos, pode ser considerado uma lenda viva da cidade. |